Direito à vida na legislação
A Constituição Federal consagra o direito à vida, de forma genérica, no artigo 5º, caput, in verbis:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…).
O inciso III do artigo 5º afirma que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. Ou seja, segundo Sylvio Motta, esse dispositivo é uma variação do direito à vida, que busca assegurar a integridade física e psíquica do indivíduo, a fim de que o mesmo possa efetivamente exercer outros direitos fundamentais, bem como é uma conditio sine qua non para a implementação fática da dignidade da pessoa humana.
A Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), no seu artigo 7º estabelece que “a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.
O artigo 227 da Constituição Federal dispõe que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Ainda, o Código Civil no seu artigo 2º dispõe que “a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”, bem como no artigo 6º afirma que “a existência da pessoa natural termina com a morte”.
O que é o direito à vida?
André Ramos Tavares afirma que o direito à vida é o direito humano mais sagrado e o direito mais básico de todos os direitos, no sentido de que surge como verdadeiro pré-requisito da existência dos demais direitos consagrados constitucionalmente.
Ainda, o autor menciona que o conteúdo do direito à vida assume duas vertentes:
Traduz-se, em primeiro lugar, no direito de permanecer existente, e, em segundo lugar, no direito a um adequado nível de vida.
Assim, inicialmente, cumpre assegurar a todos o direito de simplesmente continuar vivo, permanecer existindo até a interrupção da vida por causas naturais. Isso se faz com a segurança pública, com a proibição da justiça privada e com o respeito, por parte do Estado, à vida de seus cidadãos.
Ademais, é preciso assegurar um nível mínimo de vida, compatível com a dignidade humana. Isso inclui o direito à alimentação adequada, à moradia (art. 5º, XXIII), ao vestuário, à saúde (art. 196), à educação (art. 205), à cultura (art. 215) e ao lazer (art. 217).
O direito à vida se cumpre, neste último sentido, por meio de um aparato estatal que ofereça amparo à pessoa que não disponha de recursos aptos a seu sustento, propiciando-lhe uma vida saudável.
Nesse sentido, o STF já reconheceu que o ‘direito à saúde (…) representa consequência constitucional indissociável do direito à vida.
O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional’”.
Segundo o jurista Alexandre de Moraes, “o direito humano fundamental à vida deve ser entendido como direito a um nível de vida adequado com a condição humana, ou seja, direito à alimentação, vestuário, assistência médica-odontológica, educação, cultura, lazer e demais condições vitais.
O Estado deverá garantir esse direito a um nível de vida adequado com a condição humana respeitando os princípios fundamentais da cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e, ainda, os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional e erradicando-se a pobreza e a marginalização, reduzindo, portanto, as desigualdades sociais e regionais”.
Pedro Lenza afirma que o direito à vida previsto no artigo 5º da Carta Magna “abrange tanto o direito de não ser morto, de não ser privado da vida, portanto, o direito de continuar vivo, como também o direito de ter uma vida digna”.
Ou seja, segundo o autor, há dois desdobramentos:
“Em decorrência do seu primeiro desdobramento (direito de não se ver privado da vida de modo artificial), encontramos a proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX.
Assim, mesmo por emenda constitucional é vedada a instituição da pena de morte no Brasil, sob pena de se ferir a cláusula pétrea do artigo 60, §4º, IV. Também, entendemos que o poder constituinte originário não poderia ampliar as hipóteses de pena de morte (nem mesmo uma nova Constituição) tendo em vista o princípio da continuidade e proibição ao retrocesso.
Isso quer dizer que os direitos fundamentais conquistados não podem retroceder. (…) Quanto ao segundo desdobramento, ou seja, o direito a uma vida digna, a Constituição garante as necessidades vitais básicas do ser humano e proíbe qualquer tratamento indigno, como a tortura, penas de caráter perpétuo, trabalhos forçados, cruéis, etc.
A análise do direito à vida e seus desdobramentos enaltece aquilo que tem sido denominado pela doutrina de ‘desacordo moral razoável’ e que tem levado a amplas discussões.
Isso porque há inexistência de consenso em relação a temas polêmicos e com entendimentos antagônicos e diametralmente opostos e que se fundam em conclusão racional, por exemplo, a interrupção da gravidez.
Assumir uma das posições significa negar a outra, e essa realidade é marca de uma sociedade plural, característica das democracias modernas.
De todo modo, destacamos, a seguir alguns temas importantes: células-tronco embrionárias (ADI 3.510); interrupção da gravidez nos casos de gestação de feto anencéfalo (ADPF 54); interrupção voluntária da gestação no primeiro trimestre (HC 124.306); distanásia, eutanásia, suicídio assistido e ortotanásia”.
Assim, fica nítida a importância do direito à vida, por ser um bem jurídico fundamental e pressuposto elementar de todos os demais direitos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Editora Saraiva, 2017, pgs. 1148 e 1149.
MORAIS, Alexandre. Direito Constitucional. 13ª Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2003, p.87.
MOTTA, Sylvio. Direito Constitucional: Teoria, Jurisprudência e Questões. Editora Campus Concursos, 2013, p. 209.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva Jur, 2020, p. 538.
Autor: Júlia Brites